Recentemente, numa entrevista, me perguntaram o que é preciso fazer para escrever bem. Isso é algo que me questionam sempre quando digo que sou escritora, contudo, creio que não há uma solução fácil para isso. Na verdade, a resposta é um pouco desapontadora: não há uma fórmula mágica, mas várias pequenas ações que auxiliam na melhora da escrita. Por isso, minha resposta final se dividiu em três partes.
A primeira diz respeito a uma ação bem conhecida: escrever sempre. Escrita é que nem malhar ou aprender um instrumento, precisamos ter constância e praticar sempre. No início é difícil, demoramos horas para escrever um parágrafo, mas, quando nos familiarizamos com o nosso estilo, desenvolvemos um método particular e nos tornamos amigos dos nossos personagens, o que faz com que a escrita flua mais rápido – assim como acontece quando repetimos um exercício na academia ou tentamos mudar de um acorde para outro de forma mais suave.
A segunda parte está relacionada à escrita em si: os textos precisam “descansar” para serem lidos em voz alta dias depois. Toda vez que escrevemos algo, desde um e-mail para um amigo até um romance, é importante, após finalizarmos o primeiro rascunho, deixar o texto “respirar”. O que acontece é que nossa leitura está viciada, então, ao esquecermos aquele material por alguns dias, quando o relemos, percebemos erros que antes tinham passado despercebidos. E o que faz toda a diferença é reler em voz alta.
Quando nos ouvimos, notamos se falta alguma palavra, se temos repetição de sons e até antecipamos como esse texto será recebido pelos leitores. Essa tática pode ser aplicada em tudo, inclusive em avaliações. Eu, como professora, já passei por situações em que os alunos questionaram a correção de questões discursivas. Quando isso acontece, sempre sugiro lermos a resposta dada em voz alta, juntos. Depois, questiono se a pergunta realmente foi respondida. Na maioria das vezes, o que ouço é “eu quis dizer isso, dá para entender”. Só que quando utilizamos a escrita, não podemos exigir clarividência de quem está lendo. O leitor não quer decifrar mensagens ocultas nos textos, ele quer ler e compreender de primeira, por isso, precisamos escrever de forma clara. Um bom texto não deixa dúvidas sobre o enredo e os personagens, por exemplo – a não ser que seja a intenção do autor.
Por fim, a última parte da minha resposta é uma orientação também bem conhecida: ler. Se queremos escrever bem, precisamos ler muito para ampliarmos nosso repertório. Ao lermos autores de diferentes nacionalidades, com estilos diversos, compreendemos as nossas opções e podemos explorar mais a nossa própria escrita até desenvolvermos um estilo particular.
Por exemplo, J. R. R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis, era extremamente detalhista nas suas histórias, utilizando parágrafos e parágrafos para descrever uma borboleta voando pela grama – esse era o estilo dele, trabalhado e desenvolvido com anos de prática. Em contrapartida, há autores que possuem uma escrita mais lírica, que flerta com a poesia, como o que vemos em A teoria da Felicidade, de Kátia Borges. Cada crônica traz uma história por trás e a forma como as ideias são expressas não é direta, faz curvas e nos conduz por uma dança de palavras. Tudo bem, talvez seja difícil entender o conceito com a minha descrição, por isso trago um trechinho:
“Então que seja sagrado se guardar um pouco, que seja santo se furtar a tudo que tenha voracidade e até, quem sabe, voltar aos cadernos de desenhos. Em câmera lenta, venceremos, se é que se há de.”
Não temos dúvidas sobre o que ela quer dizer, o texto está claro, sem repetição de sons e com um estilo próprio. Por isso que reforço a necessidade de ler bastante, porque só assim você saberá com o que mais se identifica, qual o nível de rebuscamento que te soa natural e poderá desenvolver o seu estilo. E só conseguimos isso com dedicação, como acontece em qualquer campo de nossa vida.
Só que você pode seguir tudo que citei aqui, escrever um bom texto e ele não atingir o maior objetivo, que é tocar o leitor – o que o livro de Kátia faz com excelência. Para isso, ainda não tenho passo a passo, mas quando tiver, vocês serão os primeiros a saber – e perceber.
Luara Batalha
@_virandopaginas
Com sangue sergipano, sotaque baiano e mais de 10 livros publicados em sua área, Luara Batalha é mestre em engenharia de estruturas e atua com ensino e pesquisa. Apaixonada pelas letras, é colunista quinzenal dos sites Fala Barreiras e Folha de Sergipe. Teve seus contos “Invasão de território” publicado na antologia Soteropolitanos, “Momento não esquecido” publicado na antologia Feminismos, “Terapia” selecionado para a antologia Brasil, mostra a tua cara e “Para o porteiro” selecionado para o Prêmio OFF FLIP de Literatura. Atualmente trabalha no seu primeiro romance.
Fonte: Fala Barreiras
3 respostas
Essas ações citadas com certeza trará mais desenvoltura para melhorar a escrita.
Muito bom. Obrigado 👏👏👏👏👏
Bárbaro! Um bom texto, no meu entender, foi exatamente o que acabo de ler. Quanto a questão de atingir o leitor, isso só acontece quando se escreve com paixão, porque este sentimento transcende e transborda, através do ato de escrever, de quem escreve. Tens feito isso por aqui!
Eu sinto exatamente isso quando tô escrevendo e olhe que só escrevo texto técnico – a coisa do texto precisar descansar! Me identifiquei total! So no dia seguinte de cabeça fresca dá pra perceber se faltou uma palavra ou uma vírgula