Luara Batalha: “E se eu….?”

Escrever é ir ao encontro de algo que está para ser e ninguém sabe ainda o que será.
Italo Calvino[1] – adaptado

E se todos tivessem a habilidade de escrever – ou reescrever – histórias? E se não houvesse pandemia em 2020? E se avistassem um OVNI sobrevoando a praia? E se você ficasse preso com um vizinho, durante 24h, no elevador do prédio? E se as pessoas vivessem, pelo menos, 150 anos?

Por trás do simples “e se” há um mundo de possibilidades literárias para ser desbravado. As palavras são insumos que precisam ser trabalhadas para que um texto, seja ele qual for, alcance o leitor. Claro, há uma abundância de gêneros e estilos que tocam públicos específicos, e isso é o que torna a escrita e a leitura tão interessantes. Sempre fico curiosa com o caminho percorrido por aquelas palavras que chegam até mim e por isso procuro entrevistas e vídeos de escritores compartilhando suas experiências.

Bernard Cornwell[2] disse uma vez que não pensa muito, só escreve. Começou sua carreira depois de mudar de país, não conseguir um emprego e acordar um dia decidido a escrever um livro. Escolheu um tema que lhe agradava, as batalhas napoleônicas, passou um mês sentado escrevendo e pronto. Sua primeira obra foi publicada e ele já possui mais de 50 histórias passeando pelo mundo. Para continuar esculpindo as palavras, escreve todos os dias e não sofre – nem acredita – em bloqueio literário. Com certeza, muitos escritores discordam dele.

Colleen Houck[3] contou numa entrevista que sofria de abstinência de literatura fantástica, devido à espera pelo último livro da saga Crepúsculo, quando decidiu escrever uma história com um pano de fundo místico. Publicou sua obra na Amazon por um dólar e, quando começou o ano do tigre na Ásia (o enredo envolvia isso), as vendas cresceram exponencialmente. Foi a validação que precisava para continuar. Hoje, tem como ritual pesquisar e pensar sobre o tema da obra por um tempo antes de escrevê-la, mantendo a constância de trabalhar nisso quatro dias na semana.

Já Harlan Coben[4] tem como estratégia passar dias escrevendo “e se?” – como os do início desse texto – num papel. Em determinado momento, seleciona uma daquelas ideias e escreve sem ter definido ainda toda a história. Experiência oposta à de JK Rowling[5], autora de Harry Potter, que conta que sentou num café e conseguiu enxergar a última palavra da sua obra antes mesmo de começar a escrever.

Jane Austen[6] definia as características dos seus personagens e desenvolvia algumas cenas para conseguir montar o enredo. Sua técnica está descrita no livro O Clube de Leitura de Jane Austen, de Rebecca Smith, construído com informações retiradas de cartas e diários da famosa autora, que apresenta um compilado de exercícios e dicas para trabalhar a escrita.

O conhecido Jorge Amado[7] mudou a sua rotina de escrita ao longo dos anos. Segundo sua filha, depois de certa idade, o escritor já “estava na máquina” escrevendo ao raiar do sol. A tarde relia todo o material produzido naquele dia e terminava suas atividades cedo. Como processo, lia seus rascunhos em voz alta para algumas pessoas que seguiam a leitura com o texto em mãos, sinalizando a repetição de palavras, por exemplo. Baseando seus personagens em pessoais que conhecia, Jorge Amado trabalhava na mesa da sala, acompanhando todo o movimento diário da sua família, até que o livro o absorvia de tal forma, que todos precisavam sair da casa para ele terminar a obra.

E o que todos esses métodos tem em comum? Nada! A escrita não é algo que conversa com todos da mesma forma. Se alguém me perguntasse o que me move a escrever, eu diria que é a busca pelo silêncio. Parece loucura, mas as ideias voam dentro da minha cabeça todo o tempo e preciso colocá-las num papel. Quando digo ideias, na verdade, é tudo, desde as tarefas do dia seguinte aos planos para o futuro: qualquer pensamento que exija minha atenção a ponto de eu não conseguir me concentrar em mais nada.

Geralmente, fico pensando sobre o que escrever e como começar.  As ideias vão se formando até que eu ouço a minha própria voz ditando mentalmente as palavras para as minhas mãos.  Escrevo tudo num papel, e precisa ser papel, para depois digitar. Muitas vezes o que está escrito não faz sentido, mas, ao digitar, as palavras passam por um processo de refinamento que permitem a formação dos textos, inclusive esta coluna.

As ideias nascem de diversas maneiras: quando vejo uma cena na rua ou alguém me conta uma história; quando leio uma matéria de jornal ou assisto vídeos no YouTube. Não há uma regra, simplesmente surgem. É como se fossem fios emaranhados – as diversas possibilidades – e ao começar a pensar no assunto, um fio se desenrola e forma um caminho, uma estrada que me leva a um lugar indefinido, ainda a ser escrito.

Para finalizar, acredito que uma forma de resumir o processo de escrita é “sentir” alguns dos versos de Yara Souza[8]:

O papel é minha estação de trabalho, a caneta minha ferramenta.
Pego a ideia matéria-prima bruta e deposito nas linhas de montagem do papel.
Mudo verbos, altero a ordem das frases, busco sinônimos, sinestesias, sonoridade.
(…)
Por fim, dou polimento, acabamento e revisão devida, acaricio o brilho da palavra.
Mas ela não é metal frio, escultura morta oca ou estática.
Após manufaturadas suas formas, ela movimenta a leveza de suas asas, se faz voo
.


[1] Escritor italiano. A frase original é “Ler é ir ao encontro de algo que está para ser e ninguém sabe ainda o que será”.

[2] Série As Aventuras de um Soldado nas Guerras Napoleônicas (23), As Crônicas de Arthur (3), A busca do Graal (4), As Crônicas Saxônicas (13), As Crônicas de Starbuck (4), The Sailing Thrillers (5), mais 8 livros independentes

[3] A saga do tigre e a Saga dos Deuses do Egito

[4] Série Myron Bolitar (11), Série Mickey Bolitar (3) e mais 18 obras independentes

[5] Série Harry Potter (7), Série Cormoran Strike (4), Morte Súbita e mais 7 livros isolados

[6] Seis romances publicados: Razão e Sensibilidade, Orgulho e Preconceito, Mansfield Park, Emma, A Abadia de Northanger e Persuasão

[7] Jubiabá, Mar Morto, Capitães da Areia, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tieta do Agreste e mais 30 trabalhos publicados

[8] Poeta brasileira. Título: A fabricação de versos. Texto na íntegra em @yara_fers

Luara Batalha
@_virandopaginas
Com sangue sergipano, sotaque baiano e mais de 10 livros publicados em sua área, Luara Batalha é engenheira civil, mestre em engenharia de estruturas e atua com ensino e pesquisa. Sempre dedicou parte do seu tempo a expressões artísticas e desde cedo se descobriu uma leitora voraz, mergulhando em obras de diversos estilos. Apaixonada pelas letras, atualmente trabalha no seu primeiro romance.

5 respostas

  1. As diversas possibilidades (disse tudo), no meu entender, são a chave do sentir. Sentir nos escancara possibilidades e não existem regras nem limites e, se existe uma mínima possibilidade de dar sentido ao significado de ser livre, é escrever. E é justamente isso que Luara, ao escrever, simboliza. Parabéns guria!

    1. Muito bom! A escrita como a busca do silêncio (achei interessante essa interpretação) as vezes nós deparamos com um turbilhão de pensamentos q chegam a nós agitar, e nada como externá-los na escrita para a paz.

      Muito bem escrito terminei querendo mais!!!

  2. Fico no aguardo da publicação a toda semana , vejo nessa Grande Mulher o futuro de uma Grande escritora .
    Escrita leve e que faz com que o leitor tenha o desejo de conhecer todas essas obras que são comentadas.
    Muito rico !!!!

  3. Fiquei pensando na comparação entre o processo criativo de criar um projeto arquitetônico. Gehry, um arquiteto super famoso, amassa uma bolinha de papel e dali “sai” uma maquete (reza a lenda), e assim surge o Guggenheim Bilbao, por exemplo. Corbusier imagina os “jogo de volumes sob a luz”. Siza (meu preferido) pensa nas perspectivas que serão criadas no projeto. Eu particularmente acho que não tem fórmula. As vezes surge de alguma coisa que o cliente fala, ou algum ideia que vem do lugar a única coisa que é certa é o desenho com papel e grafite.
    Para qualquer pessoa que trabalho com processo criativo, o branco as vezes vêm, não tem jeito, queria ser Cornwell sempre haha
    Falei falei e não disse o mais importante, amei o texto! 🙂

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