Aprendendo a costurar

Nunca fui fã de contos. Sempre preferi romances robustos, com diversas páginas e, de preferência, que fizessem parte de uma série literária. Quando comecei a escrever, optei por contos por achar que era mais simples, afinal, uma história de poucos caracteres deveria ser mais fácil de concluir do que uma com centenas de páginas. Agora, depois de tantas folhas de rascunho amassadas e vários nãos (e sins) em concursos de escrita, percebi que finalizar um conto bem escrito é um desafio enorme.

Primeiro, exatamente por serem poucos caracteres, não há espaço para inserir diversos personagens ou núcleos narrativos. Quer dizer, você pode até tentar, mas não conseguirá aprofundar o suficiente para que o leitor não se pegue pensando “o que essa pessoa está fazendo nesse texto?”. Tampouco temos muitas linhas para mostrar toda a vida e intenções dos nossos protagonistas, portanto, um bom conto é aquele que narra bem um recorte, quase como uma fotografia. É como se quiséssemos representar um evento através de uma única imagem e que, ao vê-la, consigamos compreender quem são as pessoas da foto, se elas estão felizes, de que forma o espaço conversa com a cena. Bastante coisa, não é?

Imagine então um livro de contos. Não adianta juntar todos os contos que você já escreveu, colocar num livro e dizer “está pronto”. Um bom livro de contos é aquele que possui uma linha invisível ligando cada um dos textos. Precisa haver algum tipo de amarração, seja através de um tema, um local, um personagem ou algo um pouco mais amplo, como “mulher”. Por exemplo, no livro A mulher mais amada do mundo, Vanessa Passos traz contos sobre mulheres (a tal linha) em diferentes etapas da vida e situações. Diferente dos demais que já li sobre o tema, essa obra apresenta versões pouco usuais sobre o conceito mulher.

 

Com uma escrita leve e de fácil compreensão, acompanhamos pedaços das vidas dessas mulheres e vemos somente o que decidiram nos mostrar de cada uma delas (a fotografia da qual já falamos). A experiência da autora, que é professora de escrita criativa, é percebida na forma em que simpatizamos com as protagonistas, inclusive com aquelas cujas histórias nos provocam desconforto, como o caso de uma mãe que não ama a sua filha. As ilustrações representando cada uma das mulheres dão um toque especial ao livro, sendo um complemento bem-vindo para que a leitura seja ainda mais intensa.

Costuras com nós reforçados como desse livro mudaram a minha percepção sobre o processo de escrita de contos, me mostrando o quão enganada estava sobre a sua complexidade. O que no início foi uma escolha baseada em facilidade, agora se tornou uma vontade de conseguir construir algo bem amarrado. Quem sabe algum dia eu adquira a linha necessária, mas já comecei a aprender a costurar.


Luara Batalha
@_virandopaginas
Com sangue sergipano, sotaque baiano e mais de 10 livros publicados em sua área, Luara Batalha é mestre em engenharia de estruturas e atua com ensino e pesquisa. Apaixonada pelas letras, é colunista semanal dos sites Fala Barreiras e Folha de Sergipe. Teve seus contos “Invasão de território” publicado na antologia Soteropolitanos, “Momento não esquecido” publicado na antologia Feminismos, “Terapia” selecionado para a antologia Brasil, mostra a tua cara e “Para o porteiro” selecionado pelo Prêmio OFF FLIP de Literatura. Atualmente trabalha no seu primeiro romance.

 

Fonte: Fala Barreiras

5 respostas

  1. “Quem sabe algum dia eu adquira a linha necessária…”
    Acho que você já encontrou essa linha .
    O que falta? Costurar cada vez mais.
    👏👏👏👏👏👏👏☘️

  2. A escrita dessa coluna é prova de que se tu acha que já começou a costurar e que ainda não encontrou a linha, te digo que não se começa a costurar sem linha, portanto foi ela quem te encontrou e tá te permitindo delinear agradaveis escritas.

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