Luara Batalha: “A descoberta do tempo e outras histórias”

Alice suspirou cansada. “Acho que você poderia aproveitar melhor o seu tempo”, disse, “em vez de desperdiçá-lo propondo charadas que não tem resposta’.
“Se você conhecesse o Tempo como eu conheço’, disse o Chapeleiro, “não falaria em desperdiça-lo, como se fosse uma coisa. É um senhor”.
“Não entendo o que você quer dizer”, disse Alice.
“Claro que não entende!”, disse o Chapeleiro, atirando a cabeça desdenhosamente para trás. “Acho que você sequer falou com o Tempo”
Alice no País das Maravilhas
Lewis Carroll

A falta de tempo é uma das recorrentes reclamações da minha geração. A vontade de fazer tudo ao mesmo tempo, mas sem abrir mão da praia, dos filmes, das séries e das saídas, acomete, segundos meus cálculos, 99% da população. Engraçado que com a facilidade de acesso a informação, a alta velocidade da internet de banda larga – tchau, internet discada -, as redes sociais e o celular, seria de se esperar que conseguiríamos gerir melhor o nosso tempo.

Toda vez que leio a conversa entre Alice e o Chapeleiro sempre imagino o seguinte diálogo:

“- Crianças, hoje vamos conversar sobre o tempo. O que vocês já ouviram falar sobre isso? – pergunta a professora à sua turminha de alunos do 4° ano.
– Meu pai sempre fala que tempo é dinheiro. – diz um menino.
– O meu diz que a gente não pode desperdiçar nadinha dele. – completa outro.
– Minha mãe sempre reclama do tempo, diz que dá rugas. – finaliza um terceiro.
– E você, Joaquina, gostaria de contribuir?
– Não, professora, não posso falar mal dele.
– Como assim?
– É que minha mãe sempre diz que a gente não pode falar mal dos mais velhos e o seu Tempo já é um senhorzinho.”.

Nem a perspectiva de humanizar o tempo ajuda muito no seu aproveitamento total. Eu, particularmente, uso do artifício de criar diversas listas para conseguir me organizar. Tenho listas com assuntos que preciso estudar, entregas profissionais a realizar, filmes a assistir e livros a ler, a famosa TBR (to be read).

Como leitora consumista, tenho diversos livros ainda embalados na estante. Sinto um enorme prazer em saber que eles estão ali somente esperando por mim. Mas, no intuito de fazer essa energia literária circular e desenterrar um monte de pretendente ao livro dos sonhos que só estava acumulando pó, aderi no último ano a uma TBR virtual, me propondo a ler um livro da tal lista por mês.

Não precisei de muitos dias para constatar que aquilo não funcionaria para mim. Percebi que não fazia sentido “me obrigar” a ler algo, que não era minha prioridade no momento, somente para dar um check numa lista ou para ser uma referência no consumo de livros. Vi até um anúncio esses dias que prometia ensinar a ler sete obras em uma semana e no mesmo instante me perguntei a graça disto. Muitas histórias precisam ser degustadas, seus ensinamentos absorvidos e isto demanda tempo (algo que já concluímos que escapa entre nossos dedos). Decidi então, que, no que tange meu tempo e minha leitura, faria as coisas no meu próprio ritmo, listando boas indicações de livros, e não mais as obras que preciso ler a qualquer custo.

Não mentirei, a famigerada TBR me trouxe bons frutos, conheci novos autores e estilos literários, e um deles foi a Décima Sinfonia, de Joseph Gelinek. Ao longo da história acompanhamos um musicólogo que se envolve numa investigação para capturar um assassino, um maestro que alega ter reconstruído a Décima Sinfonia de Beethoven (sim, a misteriosa décima) e os descendentes de Bonaparte que fazem uma exposição com quadros nunca antes vistos. Repleto de explicações sobre partituras, pentagramas, notas e estilos musicais, esse thriller é uma recomendação cheia de conteúdo e uma dica mais que especial para os amantes da música clássica.

O que eu mais gosto nesse tipo de leitura é o aprender enquanto viro páginas. Tenho a sensação de que estou ganhando tempo ao conseguir ler livros e assimilar algo novo pelo caminho. Então, com isso em mente, o que eu responderia à professora, à Alice e ao Chapeleiro Maluco sobre o quesito tempo?

“Eu tento aproveitar ele ao máximo. Ah…e eu não sou louca. Minha realidade é apenas diferente da sua”[1].

[1] “Eu não sou louca. Minha realidade é apenas diferente da sua”. Trecho de Alice no país das maravilhas


Luara Batalha
@_virandopaginas
Com sangue sergipano, sotaque baiano e mais de 10 livros publicados em sua área, Luara Batalha é engenheira civil, mestre em engenharia de estruturas e atua com ensino e pesquisa. Sempre dedicou parte do seu tempo a expressões artísticas e desde cedo se descobriu uma leitora voraz, mergulhando em obras de diversos estilos. Apaixonada pelas letras, atualmente trabalha no seu primeiro romance.

2 respostas

  1. Ao ler este artigo, como não lembrar da Diva Maria Betânia cantando Oração ao Tempo, canção de A Outra Banda da Terra e Caetano Veloso. Belíssima canção que em uma de suas estrofes diz: “…Compositor de destinos
    Tambor de todos os ritmos
    Tempo, Tempo, Tempo, Tempo
    Entro num acordo contigo
    Tempo, Tempo, Tempo, Tempo…” E eu inegavelmente tentando um acordo com esse senhor tão bonito como a cara da minha filha na esperança de ainda conseguir acompanhar o tambor de todos os ritmos.

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